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SOM IMAGINÁRIO – POR FREDERA

No início da década de 1970, em plena explosão do movimento que ficou conhecido como desbunde, surgiu uma banda de rock psicodélico e progressivo, o Som Imaginário, que se tornou um ícone daquela geração. Nascida de um projeto para acompanhar o cantor Milton Nascimento no show “Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário”, a banda trazia músicos incipientes e de genialidade criativa, que se revelaria nos ressoantes nomes de Zé Rodrix (vocal, órgão, flautas e percussão), Wagner Tiso (piano e órgão), Tavito (violão), Luiz Alves (baixo), Robertinho Silva (bateria) e Frederyko (guitarra), atualmente conhecido como Fredera; em sua composição mais tradicional. Outros nomes passaram pelo grupo: Laudir de Oliveira, Naná Vasconcelos, Novelli, Nivaldo Ornelas, Toninho Horta, Paulinho Braga e Jamil Joanes. Irreverentes, atirados à psicodelia latente da música, ao mais autêntico conceito “flower power”, à vontade de subverter os costumes, sem a preocupação das ideologias vigentes, das imposições de um sistema que se construía sob uma ditadura militar, os rapazes cabeludos, de longas barbas, tinham além do talento genial, a sede de viver o momento na sua mais anárquica emoção, legando uma música criativa e inteligente. O fenômeno Som Imaginário foi rápido. Passou por várias formações, deixando três discos “Som Imaginário” (1970), “Som Imaginário” (1971, conhecido como “Nova Estrela”) e “Matança do Porco”, além de participações em discos de Milton Nascimento e Taiguara. Deixou no cenário musical brasileiro uma marca indelével, sendo hoje cultuados por uma geração que se não esquece das efervescências de um passado que parece ter sido ontem, mas que já lá se vão quatro décadas. Na comemoração dos quarenta anos do Som Imaginário, “Virtuália – O Manifesto Digital”, foi buscar a essência de um dos participantes, o irreverente Fredera, que gentilmente concedeu uma entrevista exclusiva. Polêmico, às vezes cru com a visão da época, Fredera não se deixa intimidar para falar o que pensa. Continua a ser aquele que subverte a palavra, os costumes e a verdade do que pensa, mesmo quando sabendo que pode atingir a mais dolorosa forma verbal no âmago da sua visão de vida. Viscerais são as palavras de Fredera, numa coragem de tirar o fôlego de quem as lê. Em um momento de perda, com a morte do Zé Rodrix em 2009, e que se faz quarenta anos da criação da banda, Fredera expõe de forma lancinante a sua visão do que foi uma das maiores e mais genial bandas de rock progressivo do cenário musical brasileiro.
Fredera, Exclusivo para o Virtuália
Frederico Mendonça de Oliveira, primeiro Frederyko, depois Fredera, músico, compositor, jornalista, pintor e escultor, é um desses personagens raros, cuja arte lhe aflora a alma nas mais variadas vertentes. Dono de um discurso inteligente, irreverente e às vezes cáustico, sabe como ninguém usar a palavra na sua mais perfeita concepção, causando o impacto verbal fulminante. Numa trajetória longa pela MPB, atuou ao lado de nomes retumbantes, como Gal Costa, Raul Seixas, Ivan Lins, Gilberto Gil, Marcos Valle, Beto Guedes, Caetano Veloso e Gonzaguinha. Membro ícone do Som Imaginário, sua discografia solo é pequena, com destaque para o álbum “Aurora Vermelha”, lançado em 1981. Carioca do Bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, Fredera atualmente vive no sul de Minas Gerais, em Alfenas. Em um momento de expectativa, durante a entrevista acena com a promessa de um trabalho inédito, com surpresas guardadas no baú da sua genialidade. Numa entrevista visceral, Frederyko, ou simplesmente Fredera:
VIRTUÁLIA – Com o fim da Tropicália, oprimida pela ditadura, surgiu uma espécie de Tropicália underground, ou geração do desbunde, da qual o Som Imaginário foi um ícone. Vocês traziam um existencialismo psicodélico latente, que, visto ao longo do tempo, mantém uma mensagem intacta. A ditadura pesava no respirar do desbunde, mal interpretado pela esquerda engajada? O desbunde conseguia fugir das limitações ideológicas de uma ditadura ferrenha e uma esquerda presa às dialéticas? FREDERA – Bem, a Tropicália puxou toda uma postura de enfrentamento, mesmo que apenas através de comportamento extravagante, de manifestação “artística” de desobediência, de discordância. A gente pegou esse bonde e levou pros palcos, sendo que só dois ou três da área do pop-rock sabiam o que faziam ou, em outras palavras, agiam conscientemente. Quase todos da Tropicália e, óbvio, adjacências, pensavam mais era em se dar bem, em trepar o mais possível, não se importando com ditadura ou o que fosse, a menos quando se sentiam ameaçados pelos gorilas e prepostos. Hoje a Tropicália é passado, e o rock brasileiro, curioso, persiste, e está muito mais crítico, é como se fosse o que deveria ocorrer naqueles tempos. Hoje o rock protesta, desde aquele lance parece que do Paralamas, que xingou a cambada dos parlamentares de “300 picaretas”, ainda quando o atual boneco enfaixado era só deputado – e não fazia porra nenhuma. Naqueles tempos, a lei era outra: a turma tinha cu e medo. Pois eu espicaçava, e até andei sendo procurado por eles – houve indagações a meu respeito em torturas na PE da Barão de Mesquita, Rio –, o que me levou a dois anos de “exílio” em BH. De gente da área que agiu como eu, só me lembro dos gêmeos Paulo e Cláudio Guimarães Ferreira, flautista e guitarrista respectivamente, gente muito teorizada, e do Ricardo Villas Boas, mas este não abraçou o rock, o desbunde, as drogas, agiu como guerrilheiro mesmo, e foi banido junto com a turma em que estava o Pacheco, que encontrei em Cuba. A turma queria mesmo, no dizer quase geral, era mulheres, fama e drogas, o resto que se danasse. A minha exclusão do Som Imaginário, conduzida pelo Wagner (Tiso), foi uma tomada de posição dele pela música instrumental, já que mal sabia se expressar, e que assim aproveitava também e virava as costas para a conscientização e para a consciência política. O segundo disco, dirigido por mim, apresentava desafio de fora a fora, não tinha amenidades musicais, as letras eram literárias e cabeludas, e era um disco também de muita beleza, apresentando um rock maduro e profundo musicalmente, dissonante, e já na raia do progressivo. O terceiro virou a pista de decolagem da carreira solo do Wagner, um disco sem palavras e conceitos. Na verdade, era uma questão clara: eram, TODOS, com raras exceções, incultos de pai e mãe. E, quando dirigindo o Som Imaginário, calquei no tom político, a turma se sentiu “out of tune”, e isso possibilitou ao Wagner, que tinha maioria porque tinha Luís (Alves) e Robertinho (Silva) sempre com ele, uma base política, promover minha exclusão – isso depois de eu me recusar a excluir o Tavito pelas costas, como o Wagner propôs, sem que o Tavito soubesse. Bem, a canalhice é inerente à condição humana, e assim aconteceu naqueles dias negros.
VIRTUÁLIA – Do antigo Som Imaginário, uma constelação de bons músicos brilhou na MPB. Havia uma unidade grande entre vocês, apesar dos egos, que com certeza, deveriam aflorar. Esta unidade vê-se bem nas composições “Sábado” (Fredera) e “Casa no Campo” (Zé Rodrix – Tavito), que se complementam, quase numa atmosfera única. No decorrer do tempo, quatro décadas depois, restou alguma unidade, ou afinidade entre vocês? FREDERA – Só para esclarecer: Sábado saiu no início de 1970, Casa no Campo quase em fins de 72. Sábado foi unanimidade, Casa no Campo foi um bom produto e foi bem lançado, pela Elis, e também era rica no aspecto concepcional. Sábado foi a simplicidade de um clássico; Casa no Campo foi uma espécie de profissão de fé extemporânea, porque tudo já tinha sido considerado. Lennon já tinha decretado o fim do sonho. Ele já sabia das coisas. E Sábado fala da senda do aperfeiçoamento, fala da desmaterialização, da busca do céu. Casa no Campo tem equívocos formais visíveis e prega uma reclusão no padrão das já superadas comunidades. Se há semelhanças, há por outro lado diferenças imensas. Para mim, são duas coisas que convergem em termos, mas divergem bastante em forma e na essência do conteúdo. Tenho relação de irmão com o Tavito. Com o Zé (Rodrix) era limpeza e até carinho, mas tínhamos menos identificação. O resto dos imaginários não tem condições para uma troca comigo. Até musicalmente, como no caso do Wagner, que não passa de factóide: é compositor sem concepção e sem fôlego, e o piano dele é limitado. Também pessoalmente, ele mesmo se definiu quando do encontro na casa do Gil, o negócio de afirmar não estar nem aí para a ética do PT ou qualquer tipo de ética. A ignorância da moçada era córnea, mal sabiam formular idéias. O Tim, nosso contemporâneo, disse no Jô na década de 90 que ele, o Roberto e o Erasmo não tinham “cultura”, só tinham o curso de datilografia no Colégio Urca, mesmo assim incompleto. Ele falou de cultura, queria falar é de instrução… Como vê, amigo, eles nem falar sabiam, e era geral. O Zé e o Tavito não: tinham preparo, berço. E o Robertinho era um grande músico, compensava suas deficiências. Uma vez briguei num banco do Rio quando o cara que nos atendeu não quis aceitar a assinatura dele no documento, porque era de forma primária. Mas o meio em geral era quase todo composto de apedeutas, e às vezes eram até atrevidos. Uma vez, em 1971, quando falei com o Pepeu sobre a ditadura, ele respondeu com inflexão de cafre que “Tem que estar bem pra tocar bem! Esse papo de ditadura tá por fora!”. Que tal? Mas o Som Imaginário venceu dificuldades e foi grupo de impacto, até que veio o golpe do Wagner, e aí… nunca mais. Cheguei até a armar tarefas em 1976, sob a produção do César Augustus Pereira, uma retomada do Som Imaginário, trabalhamos quase um ano, mas o grande lance já era: a tentativa ficou fria, caiu no vazio.
VIRTUÁLIA – Em 2009 perdemos o Zé Rodrix. O que impossibilitou uma reunião do grupo original. Mas nota-se que o Som Imaginário marcou a vida de vocês. Wagner Tiso ao completar 60 anos, chamou o disco comemorativo de “60 Anos – Um Som Imaginário”, quase como uma referência. Há qualquer possibilidade de um encontro entre vocês? FREDERA – Não posso perder a piada: perguntaram o que faltava para reunir os Beatles hoje. Resposta: duas balas. Lamento ter de informar que o uso do nome do grupo, atitude inexplicável do Wagner, é uma forma de apropriação indébita – mas que na verdade nada acrescenta, porque o trabalho dele não cola. É um factóide. Pra começar, o nome foi criado pelo José Minssen, produtor do Milton, no bar Sachinha’s, Leme, RJ, em 1970, onde tocavam Tavito e o Zé. Depois, temerosos de alguma usurpação, eu e Wagner registramos a marca em nosso nome numa firma de nome Leonardos, no Rio. Agora ele usa o nome, e consta, segundo o Zé e o Tavito, se não me engano também confirmado pelo Robertinho, que o lance de reunir o grupo em 2000, para comemorar 30 anos do grupo, foi abortado pelo Wagner. Ele não concordava em ombrear com os colegas que não estavam no olimpo, como ele. Foi unicamente por isso que não nos reunimos. O Zé até me falou, quando comentamos sobre subir ao palco mesmo com a diferenciação imposta pelo Wagner, que “Tudo bem, tocamos sim. Sem beijo na boca, óbvio!, mas tocamos sem problema.” Teve até outra: o que o “escritório” do Wagner informava era que a Heineken, que seria a patrocinadora, queria a PRIMEIRA formação do grupo, quando não havia nenhum sucesso e o grupo apenas acompanhava o Milton e tinha uma pontinha no show quando o Zé cantava With a Little Help from my Friends. Quando foi proposto que subissem ao palco os autores das canções de sucesso do grupo, Feira Moderna, Sábado, Nepal, não se falou mais no assunto. E hoje é impensável subir ao palco o velho Som. O Zé “saiu”, o Tavito tem a vida dele pra lá, eu ando pra cá, Robertinho e Luís trabalham suas carreiras e vivem em seus trampos, e o Wagner resolveu no estilo dele a coisa: no show dele no Municipal, reuniu o que ele contrata para sua carreira, e ficou desse tamanho. O Som morreu, a obra que fizemos está aí.
VIRTUÁLIA – Com a Abertura política a partir de 1978, a MPB voltou a ter força no cenário nacional. Na primeira metade da década de 80 a MPB vendia aos milhões. Houve uma saturação de mercado, e o lixo começou a ser dado para a população. A MPB voltou a ser elitizada? As grandes massas não têm mais o costume de ouvir MPB? FREDERA – Não se trata de nada disso, embora seja consenso: tudo foi armação de fora, golpe, intervenção internacional, e a MPB foi apenas instrumento para devastar definitivamente nossa cultura. Tudo isso é ação internacional via globo e multinacionais do disco pra nos desertizar culturalmente. O resultado hoje é o que sofremos: a ditadura da estupidez, a proletarização (no pior dos sentindos) a tapa, a miséria política e institucional, o fim. O povão ouve o que lhe mandam, é como papel, aceita a tinta que for lançada nele. Nossa cultura, que assombrava o mundo nos anos 50/60, com a Bossa Nova, Villa Lobos, Guimarães Rosa, nossos poetas, nossos artistas plásticos, nossos cineastas, tudo isso desapareceu sob a MPB, sob comando da Globo e das multinacionais do disco. Tudo foi muito controlado e muito bem executado, sem resistência qualquer, apenas uma voz clamando aqui, outra acolá, e quem falava disso era logo tachado de doido. E a turma da emepebê enriqueceu a mil.
VIRTUÁLIA – Na atual crise do mercado discográfico, com as gravadoras sendo ultrapassadas pela era digital, acha que há investimentos em grandes carreiras por parte dos produtores? Ou a produção independente é a saída? E a internet, mina qualquer hipótese de grandes vendas de discos? Tem como conciliar mercado fonográfico e era digital? FREDERA – Não há saída senão uma virada cósmica e radical. Assim como o cinema não interessou mais à intervenção anticultural internacional desde que a TV adentrou os lares e foi um degrau acima na destruição cultural e da vida em família em todo o ocidente. O cinema foi descartado, depois da TV, como prioridade: já tinha feito o estrago necessário. Da mesma forma a MPB: interessou quando e enquanto tínhamos cultura a ser pulverizada. Agora a etapa de dominação se opera em outro âmbito, tudo atomizado e caotizado. A internet atende a interessados em termo de revelar o que é bom, mas o futuro imediato é a desagregação total para que seja desferido o golpe de Estado internacional. Mercado fonográfico e era digital são unicamente circunstâncias de momento para o avanço da devastação cultural. Nada disso existe senão como instrumento de invasão e desmantelamento de Estados, de destruição da cultura e da coesão social.
VIRTUÁLIA – O Fredera compositor tem muitas surpresas guardadas na gaveta ou já produziu tudo que se propôs? Algum projeto musical à vista, ou planejado? Algum sonho musical ainda não realizado? FREDERA – Tenho alguma coisa sim, dá um bom CD. Até andam me sondando sobre isso. E ainda periga sair muito mais, quando estiver com a mão na massa, do que tenho pronto. Mas nada de sonhos: tenho é a realidade nas mãos, e não me preocupa aparecer, porque não existem mais ouvidos para ouvir. Talvez apenas reúna tudo e grave e edite para deixar para estudantes e estudiosos.
VIRTUÁLIA – Como um ex-cabeludo, que vestia de velhos jeans a propagar as mudanças dos costumes naqueles tumultuados inícios dos anos 70, vê hoje conceitos de liberdade, quando tudo é resumido no politicamente correto? Ainda dá para subverter o estabelecido? FREDERA – Nem sonhando, subverter o statu quo hoje é utopia pura, aliás, sempre foi. Hoje sou apenas desviante, por ser consciente. Não sou politicamente correto, sou correto em termos de política, ou seja, me mantenho atento a tudo que rola e trato de agir com a mente afinada no cosmo. Não vejo senão uma perspectiva de “armagedon” pela frente. Basta ver o grau de alienação a que foi submetido o pobre povo deste lugar – porque o Brasil como país ou nação já era, há muito! – e entender que tudo está irremediavelmente perdido.
VIRTUÁLIA – Vejo grandes nomes da MPB, como Gal Costa, sendo saco de pancadas de críticos e fãs, que não aceitam a passagem da idade dos ídolos. O Brasil é injusto com os seus ídolos? Prevalece o culto ao ídolo morto, como Elis Regina e Renato Russo, e a desconstrução do ídolo vivo? Ídolo morto no Brasil vale mais do que o vivo? FREDERA – A Gal, falando claro, sempre foi conduzida: dependeu da condução de Caetano e Gil, sempre teve repertório condicionado, volta e meia caindo no vulgar, no comercialóide, sempre foi assimilada por setores atrasados. Musicalmente sempre foi duvidosa, sempre vacilou em afinação, não sabia usar a voz em certos agudos, por aí. Foi musa do desbunde, mas sempre foi conduzida musicalmente e no geral. Pessoa adorável, simplíssima, às vezes até simplória, um doce, mas inculta, superficial. Hoje está fora do jogo, do qual se beneficiou sem saber que estrago ajudava a fazer em nossa História. Quanto a cultuar os mortos, tenho outra impressão: Raul, Renato Russo, Elis, a meu ver, estão soterrados. Está soterrado Gonzaguinha também, o que mostra a pobreza em que vivemos por imposição: é uma das mais importantes obras da MPB, e não se fala mais nele. E não se fala mais de ninguém, nem mesmo do Tom!… A realidade hoje é completamente irreal, tudo é imposto e incorpóreo, passageiro e vazio. É o que os caras querem pra dominar.
VIRTUÁLIA – Uma curiosidade pessoal: como era ser músico da musa do desbunde? Acompanhar uma Gal Costa jovem e pulsante era difícil? FREDERA – Não, era um trampo, do qual tirávamos um troco e uma casquinha pra sacanear os generais. Eu puxava o cordão da provocação, o Robertinho aderia, e só. Musicalmente era chato acompanhar a Gal, não tinha harmonia, era canção barata, embora inteligente em alguns momentos, porque tinha Caetano, Capinam, Wally, Duda fazendo boas letras. Éramos muito superiores a ela em conhecimento e espírito musical, ela era apenas um produto bem armado para aquela conjuntura, era um instrumento na imposição do massacre do intérprete sobre o músico. O mais difícil era suportar a exploração hipócrita a que nos submetiam. Para nós, a Gal era apenas uma cantora simples alçada a uma condição de surrealismo. Então, como a curra era inevitável, relaxávamos e aproveitávamos. Era isso, sem tirar nem pôr. Se o Wagner disser hoje algo diferente disso, que era exatamente o que ele dizia à época, estará sendo corporativista, oportunista; quanto a Luís e Robertinho, sinceramente o que eles dizem não pesa, porque atuam em concordância com o que pensam, e estão bastante fora de cena. E o Tavito é elegante, talvez desconverse…
VIRTUÁLIA – Fredera hoje. Ainda há limitações a serem rompidas? Musicalmente, há descobertas estéticas a acrescentar à obra? O que foi o Som Imaginário para você? FREDERA – O Som Imaginário foi, pelo que avalio hoje, uma grande oportunidade para minha eclosão como compositor, e uma tremenda prova de fogo. Para integrar o grupo realizei um salto imenso em minha vida, e isso foi esmagado pela política mineira que tinha e tem o Milton como guru. Tinha a máfia do dendê na turma dos baianos (o Cláudio Tognolli denunciou isso, é bem feio), tínhamos e ainda temos a máfia do pão de queijo em Minas, ressaltando que em ambas imperam fatores estranhos à música, tendendo a excluir os que não aderem a certas tendências de comportamento. Os verdadeiros músicos de Rio e São Paulo são bem moderados nisso, a militância musical não é capitaneada pela turma da, digamos, gay power. Isso pesa porque mistura categorias, submetendo o essencial, no caso a música, a contingências desviantes. A MPB, por seu turno, selecionou muito: a presença de intérpretes que difundiam comportamento alinhado a uma nova conduta até então não tão promovida no meio artístico, especialmente na canção, virou modismo, e pegou. Cantores como Bethânia, por exemplo, faziam um sucesso que os músicos digamos ortodoxos não entendiam. Como é que uma cantora que mal sabe dividir e é tão crítica em afinação e inflexão pode obter tanto sucesso e tanta oportunidade? Que melhorou com o passar dos anos, melhorou sim. Mas cantar com Pavarotti??…, ela e a Gal?? Nem um fenômeno quase sobre-humano como a Mônica Salmaso se sentiria bem ao lado do homem!… Para com o resto, portanto, pareceu faltar um apoio que levasse a uma concretização maior, sei lá. E isso é digno de registro apenas por ser um componente muito visível no conjunto, sobressaindo muito. E nunca me preocupou, embora eu tenha sido perseguido pela tropa de choque deles, até porque nem mesmo tomava conhecimento ou atentava para isso. Estava interessado numa outra coisa para mim verdadeiramente divina e gostosa… Considero isso como cor de pele: no meu caso, sou branco, e pronto. As outras peles para mim são peles também, mesmo que de cor diferente. E somos todos filhos de Deus. Eles, porém, pensam diferente, parece. Mas o Som Imaginário foi, pelo que podemos aferir hoje, um grupo realmente diverso: tínhamos muita harmonia musical, coisa rara na onda pop-rock; tínhamos erudição em nossa ala culta (Zé, Tavito e eu), eu vinha de Letras e trazia uma forte cultura em música erudita, pintura, e isso valeu. Na verdade, hoje estou certo de que foi o mais importante grupo brasileiro nessa categoria, e disparado. Até porque, na verdade, éramos populares só até onde convinha. Como o gato, que é sociável até onde lhe convém. Quanto a ter o que acrescentar, sempre tem! Estou envolvido numa pesquisa revolucionária, parece que explode neste ano. Estou sempre estudando, agora em fase febril, para deixar um legado aí para interessados em progresso musical, como já disse. Filosoficamente considero ter o que deixar também, tenho livros já prontos na mente só esperando a hora de poder sentar e escrever, sem contar que escrevi o Crime, que sacudiu geral. E tem a pintura e as artes plásticas, que também persigo com paixão, é religião. O que você indagou sobre descobertas estéticas, para mim, graças a Deus, elas não param, e até aumentam com a idade. Estou em franco crescimento, com uma obra bem consistente para apresentar a quem interessar possa – se um dia eu tiver saco de registrar tudo. E fico feliz porque vejo que pessoas estão ligadas, como você, e isso sempre é sinal de que a vida não morre pelas mãos dos algozes da humanidade e da liberdade.
Reportagem: Jeocaz Lee-Meddi

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